Por ser um dos gêneros mais prolíficos no cenário dos jogos independentes, é sempre bacana ver empresas maiores se aventurando pelos roguelikes, algo que foge do escopo de seus portfólios abarrotados de games AAA. Existem títulos de maior expressão e investimento dentro do gênero, é claro, como Hades e sua sequência, mas eles ainda são exceções à regra.
A Bandai Namco já havia explorado o estilo metroidvania com o recente Shadow Labyrinth, um previsível, mas bom representante do que eu carinhosamente chamo de buscação. Agora, ela dá a sua interpretação do que é roguelike, com mais dinheiro em caixa para investir do que rogues costumam ter, em Towa and the Guardians of the Sacred Tree.
Não me leve a mal: é difícil pensar em qualquer outro roguelike no momento. Hades 2 já está virando a esquina para sair da fase de acesso antecipado, mas Towa conseguiu a proeza de me entreter e, principalmente, de me fazer esquecer, ainda que por um tempo, da existência do próximo grande fenômeno que a Supergiant Games vem refinando desde o ano passado por meio de updates.
Menos like, mais lite
Torno a falar de Hades porque Towa o tem como principal fonte de inspiração: da perspectiva isométrica à arte estilosa feita à mão, há muitas semelhanças com a obra mais influente desse formato. Towa, no entanto, almeja ser mais lite do que like, o que é, a meu ver, o elemento que mais o distancia de sua influência.
Na contramão dos roguelikes punitivos, Towa cobra, sim, habilidade e bons reflexos do jogador, mas amacia a dificuldade com recursos de acessibilidade, incluindo um modo fácil, destinado a quem deseja somente acompanhar a história, além de um sistema mais completo de progressão permanente, algo frequentemente menosprezado nos rogues da vida.
Você pode evoluir certos atributos dos personagens para torná-los mais fortes a cada partida. Assim, à medida que progredimos, as rodadas tendem a ficar mais fáceis e equilibradas, não apenas por já termos decorado padrões dos inimigos e chefes, mas também porque seu herói está significativamente mais poderoso em relação à tentativa anterior.
Há um senso de progresso estimulante aqui, mesmo para quem nunca teve contato com roguelikes ou se sente frustrado por sempre repetir a mesma coisa. A evolução é mais que perceptível: é palpável. Outro detalhe digno de ser mencionado é que você não precisa começar do início ao morrer, uma vez que o título guarda o seu avanço por área, valorizando um pouco mais o tempo de quem está jogando.
Dualidade no combate
O combate de Towa incorpora o hack and slash, com direito até a uma barra de combos, e é uma delícia de jogar, apesar de o mapeamento dos comandos não ser nada intuitivo. Desferir ataques básicos nos gatilhos direitos, enquanto os especiais ficam nos botões tradicionais… bem, comigo não rolou. Felizmente, você tem a liberdade de reorganizar tudo para deixar a jogatina à sua maneira, assim como eu fiz logo no início.
O que mais chama atenção é a necessidade de intercalar entre duas espadas durante a pancadaria franca, já que cada uma possui um tempo específico de resfriamento. Quando atacamos, o medidor de durabilidade cai, reduzindo, por consequência, o poder de ataque, o que nos obriga a recorrer a outra arma por alguns instantes.
Podemos forjar katanas, odachis e outras lâminas únicas para que o combate fique sempre empolgante e com algum fator de imprevisibilidade, tendo em vista que as armas têm atributos e padrões de ataques próprios. Para ser sincero, não dá nem para estimar a quantidade de builds que é possível criar aqui, tamanha é a variedade de espadas que se pode confeccionar.
Além da dualidade das espadas, também existe um contraste interessante na dupla que escolhemos para a aventura, sendo um personagem dedicado ao suporte – dá, inclusive, para jogar em modo cooperativo local. São oito companheiros selecionáveis, cada qual com seu leque de poderes e estilos de combate. Eles têm características e estratégias bastante particulares: há quem ataque de perto, de média e longa distância. A abordagem, portanto, varia conforme a dupla escolhida.
Descobrir as virtudes e fraquezas de cada herói é o que torna o combate de Towa tão especial, ainda que o cerne de sua jogabilidade não se afaste muito dos outros trocentos roguelikes e roguelites que têm sido lançados de baciada na Steam. Em meio à enxurrada de games do gênero, é revigorante quando surge um produto que ao menos se esforça para tentar algo diferente.
Fala demais por não ter nada a dizer
Como já dizia o poeta Romário: “jogo calado é um poeta”. Eu posso (ou não) ter distorcido o discurso do Baixinho mais famoso do futebol, mas o ditado também vale para os videogames. Towa até tem uma sólida base narrativa, trazendo referências da rica mitologia xintoísta, mas faz muito pouco para desenvolvê-la de uma forma, digamos, minimamente envolvente.
Somos convidados a acompanhar os passos de Towa e dos oito guerreiros do vilarejo de Shinju, recrutados por ela própria para proteger a Árvore Sagrada, responsável por manter o equilíbrio entre a dimensão humana e a espiritual. Com o renascimento de Magatsu, uma entidade ligada à corrupção dos mundos, cabe a Towa evitar a proliferação do mal.
Além de não contar com textos em português em pleno 2025, o que é surpreendente vindo da Bandai Namco, cujo trabalho de localização costuma ser exemplar, a qualidade dos diálogos, em inglês mesmo, não é das melhores. O jogo recorre a certas palavras de um inglês arcaico, no intuito de romantizar a história, mas o resultado é uma adaptação capenga, que só contribui para a preguiça de quem está lendo.
Não bastasse a qualidade textual baixa, há interações extensas com personagens que falam demais e, no fim, não têm nada a dizer. Numa tentativa de renovar os diálogos a cada run, tal qual sua maior inspiração, os personagens secundários acabam sendo prolixos, enquanto os principais, com Towa e seu grupo de combatentes, não ganham o desenvolvimento que mereciam – logo, não caem tanto nas graças do jogador.
Vale a pena?
Towa and the Guardians of the Sacred Tree é um roguelite para quem, em algum nível, não simpatiza muito com o ciclo de repetição típico desse gênero e, sobretudo, para quem não dá a mínima para histórias em jogos de videogame. Aviso logo: a maior parte do tempo você vai passar pulando diálogos sem olhar para trás.
Respaldado por mecanismos que tornam a experiência mais palatável, como seu robusto sistema de progressão permanente e a generosidade em manter pontos de salvamento por área, o jogo bebe até a última gota da fórmula de Hades, mas busca seu diferencial no combate, que traz um contraste positivo ao usar duas armas e uma dupla de personagens.
Nota: 75
Prós (pontos positivos):
- Dualidade de armas e personagens no combate;
- Mitologia xintoísta bem representada, sobretudo em sua estética charmosa;
- Recursos de acessibilidade para quem não gosta muito de rogue;
- Variedade de builds e formas de jogar;
- Sistema generoso de progressão permanente.
Contras (pontos negativos):
- Comprometido por diálogos prolixos;
- Sem textos em português, com localização fraca em inglês.
Uma cópia de Towa and the Guardians of the Sacred Tree foi gentilmente cedida pela Bandai Namco para o propósito de análise no PlayStation 5 Pro. O jogo está disponível para PS5, Xbox Series S|X, Nintendo Switch e PC.