Usando um método inédito de varredura de imagens telescópicas, uma equipe de astrônomos liderada pelo Centro de Pesquisa de Astronomia e Astrofísica Herzberg do Canadá acredita ter detectado objetos se movendo muito além do cinturão de Kuiper. Essa região remota do Sistema Solar é povoada por pequenos corpos gelados, como planetas anões, cometas e outros objetos situados a 48 UAs, unidades que medem a distância entre a Terra e o Sol.
A pesquisa, apresentada durante a 54ª Conferência de Ciência Lunar e Planetária (LPSC 2023) realizada em maio, buscava originalmente descobrir novos alvos para a sonda New Horizons da NASA. Lançada em 2006, a espaçonave explorou o sistema de Plutão e seguiu viagem, a 60 mil Km/h, estando atualmente a 56 UAs da Terra.
Isso permitiu que o artefato, que ainda não saiu oficialmente do Sistema Solar, pudesse explorar o cinturão de Kuiper, um mundo composto principalmente por gelo e material volátil. Nessa região, a New Horizons descobriu o mundo mais distante já observado até hoje: o objeto Arrokoth, uma rocha avermelhada em formato de boneco de neve, com 35 quilômetros de comprimento, 20 quilômetros de largura e 10 quilômetros de espessura.
O objeto Arrokoth no Cinturão de Kuiper
Coincidentemente, a divulgação da pesquisa que propõe a existência de um segundo cinturão além de Kuiper ocorreu quase simultaneamente com um novo estudo, liderado pelo renomado cientista planetário Alan Stern.
Nesse trabalho, astrônomos do Southwest Research Institute (SwRI) defendem a tese de que os 12 grandes montes de aproximadamente 5 quilômetros existentes em Arrokoth tiveram uma origem planetária comum.
Trabalhando com duas imagens aproximadas do sobrevoo feito pela New Horizons em Arrokth, em 2019, os pesquisadores avaliaram como Wenu, a parte maior do objeto se formou. Foram analisados dois cenários de formação: objetos menores com cerca de três quilómetros de diâmetro, colidindo uns contra os outros em alta velocidade; ou objetos maiores, com até cinco quilômetros de diâmetro, que se agruparam suavemente com o correr do tempo.
A equipe avaliou o contexto geológico dos montes de Wenu e comparou suas formas, tamanhos/orientações, refletância e cores. A conclusão refutou a tese de alta velocidade, pois o objeto resultante de um suposto estilhaçamento de rochas se mostrou liso, bem diferente da bolha irregular obtida no segundo modelo, que é muito parecido com o lobo dominante de Arrokoth. O lobo menor, Weeyo, pode ter se formado do mesmo jeito.
Além de Arrokoth: um mergulho na escuridão do Sistema Solar
Embora tenha sua missão exploratório estendida pela NASA, pelo menos até que saia oficialmente do cinturão de Kuiper, a New Horizons não terá trabalho fácil pela frente. Isso porque observar paisagens a quase 60 UAs do Sol é uma tarefa no mínimo obscura.
Uma técnica geralmente empregada pelos astrônomos é a chamada de “empilhamento por turnos” e consiste em tirar fotos em momentos diferentes, e depois empilhá-las e combiná-las umas sobre as outras. Com isso, torna-se possível combinar a luz de um objeto mal iluminado em um ponto, para torná-lo mais visível.
Para eliminar esse trabalho inglório de buscar pequenas rochas ocultas em pilhas de imagens escuras, os pesquisadores usaram o aprendizado de máquina. Para isso, treinaram uma rede neural em objetos simulados inseridos em imagens do telescópio, antes de liberá-la para análise de dados reais, obtidas em 2020 e 2021 pelo Telescópio Subrau, no Havaí. A nova técnica identificou duas vezes mais objetos no Cinturão de Kuiper do que a pesquisa humana.
Dois anéis de objetos gelados no Sistema Solar?
Os resultados do novo trabalho, que aumentaram a densidade do material disponível a uma distância entre 60 a 80 UAs ao longo da trajetória da New Horizons, podem fornecer uma explicação para um brilho atípico, detectado tanto pela sonda como pelo Telescópio Espacial Hubble. Essa “camada de poeira refletora no Sistema Solar exterior” poderia ter se originado em detritos adicionais, até agora desconhecidos.
Tendo em vista que pesquisas semelhantes feitas em outras partes do céu, não conseguiram detectar essa riqueza de objetos orbitais, é preciso questionar se isso não passou de falta de sorte, se há mesmo uma novidade no Sistema Solar, ou se a nova técnica de aprendizado de máquina tem alguns bugs a serem solucionados.
Ainda sem ser revisto por pares, o novo estudo aponta para a possível existência de pelo menos dois “anéis” de material gelado orbitando nosso Sistema Solar, com uma lacuna de pelo menos 50 UAs entre elas.
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