O genocídio de jovens negros no Brasil e AM

O genocídio de jovens negros no Brasil e AM

Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado uma crise alarmante que permanece largamente silenciada: o assassinato sistemático de jovens negros. Esses homicídios não são apenas números estatísticos, mas representam uma tragédia humana que revela desigualdades históricas e estruturais na sociedade brasileira. 

Historicamente, o assassinato de homens e mulheres negras lidera os rankings de homicídios no Brasil. A violência cotidiana que atinge a todos os brasileiros explica apenas uma parte da situação, enquanto o racismo, como elemento estruturante e presente em todos os aspectos da sociedade brasileira, agravando no aumento da miséria e do desemprego, impactam o cenário de mortes dessa população. 

Dados recentes do Atlas da Violência 2023, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam um cenário sombrio que demanda atenção urgente: a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. A pesquisa também mostra que, a cada 10 pessoas assassinadas no Brasil, 8 são negras.  

Vários fatores contribuem para essa realidade sombria: 

  • Desigualdade Socioeconômica: Jovens negros são frequentemente ignorados em áreas marcadas pela pobreza, com acesso limitado a educação de qualidade e oportunidades de emprego. 
  • Racismo Institucional: A atuação das forças de segurança pública, muitas vezes, adota práticas violentas e discriminatórias contra a juventude negra. 
  • Exclusão Social: A falta de políticas públicas efetivas que promovam a inclusão e a proteção dos direitos dos jovens negros. 

Casos no Brasil 

Tragédias como a morte de João Pedro, de 14 anos, baleado durante uma operação policial no Rio de Janeiro, em 2020. Ele estava brincando na casa de familiares quando foi atingido por um tiro. O caso gerou grande comoção nacional e internacional, destacando a brutalidade policial e a violência sistêmica contra jovens negros. 

Em junho de 2020, Miguel Otávio, um menino negro de 5 anos, morreu ao cair do 9º andar de um edifício no Recife. Ele estava sob os cuidados da patroa de sua mãe, empregada doméstica, que o deixou sozinho no elevador. A morte de Miguel gerou indignação e levantou debates sobre negligência e racismo estrutural. 

Pedro Gonzaga, de 19 anos, morreu em fevereiro de 2019 após ser imobilizado por um segurança do supermercado Extra na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Pedro foi sufocado durante a ação e, mesmo após perder a consciência, não recebeu socorro imediato. O caso chamou atenção para o racismo e a violência nas ações de segurança privada. 

Marcos Vinícius, de 14 anos, foi morto em junho de 2018 durante uma operação policial na favela da Maré, no Rio de Janeiro. Ele estava voltando da escola e vestia uniforme escolar quando foi baleado. A tragédia gerou protestos e colocou em evidência a rotina de violência enfrentada por jovens negros em áreas periféricas. 

Para o antropólogo e professor Kabengele Munanga, o “racismo à brasileira mata duas vezes”. “Mata fisicamente, como mostram as estatísticas do genocídio da juventude negra em nossas periferias, mata na inibição da manifestação da consciência de todos, brancos e negros, sobre a existência do racismo em nossa sociedade”, enfatizou. 

Amazonas 

Enquanto o Brasil luta para lidar com a crise nacional de violência, uma realidade brutal persiste nas sombras da floresta amazônica: o aumento alarmante de assassinatos de jovens negros no estado do Amazonas. Essa tragédia silenciosa é uma faceta angustiante das desigualdades sociais e raciais que assombram a região. 

A situação no Amazonas reflete essa realidade trágica, com um aumento preocupante na taxa de homicídios de jovens negros. Entre 2012 e 2021, o número de homicídios no Brasil diminuiu em alguns aspectos, mas a violência contra jovens negros permaneceu alta. Em 2021, 79% de todas as vítimas de homicídio no país eram negras, uma proporção alarmante que também é observada no estado. 

Foto: Cila Reis/Fojune AM

Segundo os dados do Atlas da Violência e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, aproximadamente 70% dos homicídios no estado foram de pessoas negras, com uma alta porcentagem de vítimas jovens, entre 15 e 29 anos. 

Vários fatores impulsionam essa crise de violência: 

  • Desigualdade Econômica e Social: A pobreza extrema e a falta de oportunidades econômicas criam um ambiente onde a violência pode prosperar. 
  • Tráfico de Drogas: O Amazonas é uma rota importante para o tráfico de drogas, exacerbando os níveis de violência nas comunidades mais vulneráveis. 
  • Ação das Forças de Segurança: Operações policiais muitas vezes resultam em confrontos violentos, com jovens negros frequentemente sendo alvos principais. 

Casos Marcantes 

Gabriel Silva, de 17 anos, foi assassinado em 2022 durante um confronto entre facções criminosas e a polícia, em Manaus. O jovem estava voltando da escola quando foi atingido. A comunidade local e ONGs de direitos humanos destacaram que ele foi mais uma vítima da violência exacerbada pelo racismo estrutural. O caso gerou indignação e protestos. Gabriel era um estudante promissor, mas foi vítima de uma abordagem violenta e letal. Sua morte não é isolada, mas parte de uma série de incidentes que refletem a brutalidade enfrentada por jovens negros no estado. 

Em 2021, Edson Luís, um jovem negro de 22 anos, foi morto pela polícia em Manaus. A abordagem policial, considerada excessiva e violenta, levantou suspeitas de motivação racial, gerando protestos e pedidos de justiça por parte de familiares e movimentos sociais locais. 

Em 2022, uma operação policial na Zona Norte de Manaus resultou na morte de três jovens negros. Testemunhas relataram que os policiais usaram força excessiva e discriminatória, o que gerou indignação e reivindicações por maior transparência e responsabilização. 

A estudiosa da história da escravidão africana na Amazônia, a pós-doutora Patrícia de Melo Sampaio, também autora do livro “O Fim do Silêncio: a presença negra na Amazônia”, classifica o Amazonas como um dos Estados mais racistas do Brasil porque “Ao lado de todo um processo que é comum ao Brasil de discriminar, excluir, inferiorizar e desqualificar populações negras e indígenas como parte da nossa formação de uma sociedade de privilégio, o Amazonas acrescenta um elemento a mais, nesse processo: ele silencia sobre a presença e participação dos pretos e pretas na sua formação”, declarou Patrícia Sampaio. 

As comunidades negras no Amazonas sofrem com a falta de acesso a serviços básicos como educação e saúde, o que agrava a vulnerabilidade dos jovens à violência. A ausência de políticas públicas eficazes para a inclusão social e econômica contribui para perpetuar esse ciclo vicioso. 

Organizações não-governamentais e movimentos sociais no Amazonas têm se mobilizado para combater essa realidade. Fórum de Juventude Negra do Amazonas (Fojune AM), por exemplo, tem sido um ponto de resistência e denúncia, promovendo campanhas de conscientização e apoio às famílias das vítimas.  

Criado em 2014, o Fojune AM, um dos fóruns estaduais, foi inicialmente articulado dentro do Fórum Permanente de Afrodescendentes do Amazonas, tendo sua primeira formação por jovens negros do antigo Coletivo Feminista Baré e Encrespa Geral. O seu objetivo principal, é a luta pelas especificidades e engajamento da juventude na luta coletiva. 

Foto: Cila Reis/Fojune AM

O Fórum Nacional de Juventude Negra existe desde 2007. Foi criado a partir do 1º Encontro Nacional de Juventude Negra, onde a juventude negra de vários grupos do movimento negro do Brasil organizou o ENJUNE em Lauro de Freitas, na Bahia. 

A União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro Amazonas), tem como objetivo lutar contra o racismo e a opressão imposta contra a mulher negra. Durante sua história, a Unegro participou de diversas lutas que levaram ao avanço de pautas relacionadas às questões de raça no País, como o Estatuto da Igualdade Racial, as cotas em universidades e serviço público, entre outros. 

A entidade está presente no Amazonas há 18 anos e Regina de Benguela, vice-presidente da Unegro Amazonas explicou que, mesmo após 35 anos de sua criação, em Salvador, a luta contra o racismo ainda continua. Ela afirmou que a Unegro segue consolidando o seu projeto social contra a opressão da população negra e que a entidade é pioneira na “denúncia do genocídio da juventude negra na interface de raça, classe e gênero. E do protagonismo de pessoas LGBTQIA+ como dirigentes nesse processo”. 

Christian Rocha, considerado o mais jovem ativista da causa negra no Amazonas, é reconhecido pela sua atuação na luta pelos direitos dos negros e pela promoção de ações que garantam igualdade de oportunidades para todos, além de trabalhar para quebrar a invisibilidade e mudar a dinâmica social, sem racismo e preconceito. Sua trajetória na causa negra o tornou em 2023, merecedor da Medalha de Ouro Nestor Nascimento, honraria da Câmara Municipal de Manaus (CMM) destinada a personalidades que lutam pelos direitos e igualdade racial. 

O Papel da Sociedade 

A sociedade brasileira precisa reconhecer e enfrentar o genocídio de jovens negros como uma emergência nacional. Movimentos sociais, ONGs e coletivos têm desempenhado um papel crucial na visibilidade e combate a essa violência, pressionando por políticas públicas mais justas e inclusivas. 

A professora da Universidade Federal Fluminense Ynaê dos Santos, aponta os avanços na legislação brasileira, embora pondere que falte vontade política para que as determinações se efetivem. 

“A lei é um instrumento fundamental, mas tem que ser aplicada. Mas para essa lei, de fato, ser aplicada, você precisa de uma decisão política que passa por várias instituições e esferas. E essa decisão ainda não aconteceu no Brasil, sobretudo pelo fato de ser um crime inafiançável, o que mostra a gravidade do crime”.  

Para combater essa epidemia de violência, algumas ações são essenciais: 

  • Reforma das Forças de Segurança: Implementar treinamento antirracista e humanizado para policiais, além de políticas de controle e responsabilização. 
  • Investimento em Educação e Emprego: Promover acesso igualitário a oportunidades educacionais e de trabalho para jovens negros. 
  • Políticas Públicas de Inclusão: Desenvolver programas que abordem as desigualdades estruturais e promovam a equidade racial. 

O assassinato de jovens negros no Brasil não pode mais ser ignorado ou minimizado. É uma questão urgente de direitos humanos que demanda ação imediata de todos os setores da sociedade. O genocídio da juventude negra é uma ferida aberta na nação, que só será curada com reconhecimento, justiça e a implementação de políticas transformadoras. 

Esta matéria visa não apenas informar, mas também sensibilizar e mobilizar a sociedade para uma mudança urgente e necessária. A juventude negra merece viver em um Brasil onde suas vidas sejam valorizadas e protegidas. 

Posicionamento da SSP-AM 

A Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) informa que a partir de investimentos realizados pelo Governo do Amazonas ao longo dos últimos anos, como a aquisição de novas tecnologias de monitoramento, novos equipamentos, entre eles armamento, munição e viaturas, a realização de concurso público, tem sido possível manter os índices de a Mortes Violentas Intencionais no estado. 

Entre janeiro e outubro de 2023, a queda registrada nesse tipo de crime foi de 6,3%. Em Manaus, essa redução alcançou 12% e o bairro da Compensa, na zona Oeste da capital, registrou o maior percentual de diminuição, 65%. Tal queda é resultado do trabalho da SSP-AM, por meio das Polícias Militar (PMAM) e Civil (PC-AM) e da realização de operações como Fronteira Mais Segura, Operação Hórus e Operação Paz, desencadeadas com o apoio do Governo Federal. 

Denúncias 

Em Manaus, a população conta com 30 Distritos Integrados de Polícia Civil (DIPs), localizados em vários bairros, para registrar boletins de ocorrência, fazer denúncias ou até mesmo receber orientações sobre casos específicos. 

Além dos DIPs, as pessoas também podem contar com as delegacias que têm serviços especializados e funcionam 24h. Os números de telefone disponibilizados, tanto nos DIPs quanto nas delegacias e departamentos especializados, facilitam a comunicação entre a população e a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM). 

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