Para as novas gerações “Black Mirror: Bandersnatch” é o primeiro filme interativo de suas vidas. Mas o cinema já conheceu outras produções em que os espectadores podiam fazer suas escolhas para os enredos. A primeira delas partiu do artificioso cineasta William Castle, em “A Máscara do Horror”, de 1961. Castle ofereceu dois finais possíveis para seu filme e as pessoas que iam até a exibição nos cinemas recebiam um cartão fluorescente com uma mão com o polegar para fora. Em determinada cena do filme, os espectadores podiam votar com cartão com o polegar para cima ou para baixo para decidir se o protagonista da obra, Sardônico (Guy Rolfe), viveria ou morreria. Ironicamente, a ideia por finais alternativos ocorreu após a Columbia Pictures pressionar o cineasta por um desfecho otimista. Castle, então, decidiu deixar nas mãos do público.
Nos anos e décadas seguintes, outros filmes que interagiam com o público surgiram, como “Kinuatomat”, “Ground Zero Texas” e “Late Fragment”. Nenhuma produção interativa chegou realmente a impressionar, disputar grandes prêmios ou entrar para a elite do cinema. “As Escolhas do Amor”, filme de Stuart McDonald e roteiro de Josann McGibbon, lançado recentemente e que permite ao público escolher o destino de sua protagonista, também não tem grandes pretensões.
Primeira comédia-romântica interativa do cinema, a produção original da Netflix é uma história bem bobinha sobre Cami Conway (Laura Marano), uma produtora musical, que tem a vida aparentemente perfeita, mas sente que ainda falta algo. Em busca de respostas, ela vai até uma taróloga que lê algumas cartas sobre seu presente e futuro. A mulher diz que tem uma boa e uma má notícia para Cami. A partir daí o espectador pode fazer sua primeira escolha pela protagonista, decidindo qual das duas notícias ela quer saber.
Cami é noiva de Paul (Scott Michael Foster), com quem tem um relacionamento saudável, estável e tranquilo. Mas tanta serenidade assim pode entediar, e é o que acontece com a mocinha, que vê sua paz abalada após o reencontro com um ex-namorado, Jack (Jordi Webber), que se tornou professor na escola de sua sobrinha.
Rever Jack trouxe um emaranhado de emoções para o coração da protagonista, sedenta por um pouco de aventura em sua vida monótona. Mas, calma. Os terremotos que abalam as placas tectônicas de Cami não param por aí. Quando o estúdio em que ela trabalha recebe um super astro do rock, Rex Galier (Avan Jogia), as coisas ficam ainda mais empolgantes. O bonitão dá bola para Cami, que se vê caidinha pelo galã.
Um outro problema na vida da protagonista é sua insatisfação em relação ao seu trabalho. Cami acredita que é a melhor produtora do estúdio, mas não tem pegado os artistas e trabalhos que acredita que merece. Então, ela precisará confrontar seu chefe para garantir uma posição melhor na sua carreira.
No meio de toda essa reviravolta na vida de Cami, o espectador pode fazer diversas escolhas. Seja pedir demissão ou aceitar um aumento, escolher entre os três pretendentes, estimular sua sobrinha a bater no valentão da escola ou não, ser doce ou dizer a verdade… Enfim, há várias possibilidades em diversas cenas que ficam ao encargo do público. As escolhas feitas no decorrer da história levam a 15 possíveis finais. De acordo com o diretor, sua vontade era criar um filme que os espectadores pudessem rever várias vezes e em todas elas se surpreender, mas sempre se sentir bem.
Embora possa parecer divertido participar tão ativamente das escolhas do enredo, os personagens de McGibbon flutuam em suas superfícies e nunca nos sentimos completamente aprofundados em suas camadas. É como se não conhecêssemos Cami tão bem. Aliás, nem ela parece conhecer a si própria e nem tem interesse em descobrir quem é fora de suas relações românticas. Uma tentativa de fazer essa interação com o público parecer ainda mais real é a quebra da quarta parede, que funciona muito bem quando lemos os pensamentos mais sarcásticos de Cami.
Assim como as personalidades rasas dos personagens também são suas relações. Cami tem um namoro sério e de longo prazo com Paul. As implicações emocionais de um possível término jamais são exploradas. O filme simplifica tudo e trata o amor como se fosse um sorvete no qual devemos escolher o sabor.
Filme: As Escolhas do Amor
Direção: Stuart McDonald
Ano: 2023
Gênero: Comédia / Romance
Nota: 7/10