No coração da Amazônia, parteiras tradicionais acolhem o nascimento com saber ancestral

No coração da Amazônia, parteiras tradicionais acolhem o nascimento com saber ancestral

Manaus (AM) -Num canto da floresta, entre rios e trilhas de difícil acesso, o momento mais importante da vida de uma mulher — o nascimento de um filho — acontece sob os cuidados de mãos experientes, calmas e cheias de histórias. São as parteiras tradicionais da Amazônia, verdadeiras guardiãs de um saber milenar que une ciência, espiritualidade, afeto e pertencimento.

Em comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas espalhadas pelo Amazonas, o parto nem sempre acontece entre paredes de hospital. Muitas vezes, é feito dentro de casa, com a presença da família, de rezas, banhos de ervas e do olhar atento da parteira — que sabe a hora certa de agir e quando pedir ajuda ao sistema de saúde.

“É um momento sagrado. A gente cuida da mãe e do bebê, mas também do espírito que está chegando”, conta uma das parteiras atendidas pelo Instituto Mamirauá, que há mais de 20 anos atua no fortalecimento dessa prática no Médio Solimões. No Amazonas, já são mais de 1.100 parteiras identificadas e cadastradas, a maioria sem qualquer tipo de remuneração.

Reconhecidas pelo Ministério da Saúde, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, desde 2024, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, as parteiras ainda enfrentam dificuldades para serem valorizadas como merecem dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Muitas caminham horas, enfrentam alagamentos, atravessam rios e levam consigo o saber passado de geração em geração.

Foto: Divulgação

Elas não apenas “fazem o parto”: acompanham o pré-natal, acolhem dúvidas, aliviam medos, orientam, encaminham em casos de risco, e muitas vezes são o único apoio de uma gestante. “Essas mulheres fazem parte de uma rede de cuidado afetivo e político que sustenta comunidades inteiras”, afirma Maria Cecília Gomes, do Instituto Mamirauá.

A Associação de Parteiras Tradicionais do Estado do Amazonas — Algodão Roxo (APTAM) tem ampliado esse protagonismo, criando espaços de formação, pesquisa, luta por direitos e diálogo com outras regiões do Brasil. A participação das parteiras no acompanhamento de gestantes tem sido reconhecida por reduzir índices de mortalidade materna e neonatal — um dado que fala por si.

Mas o valor dessas mulheres vai muito além dos números: está no modo como seguram as mãos das mães, no toque preciso, na palavra serena, no respeito à ancestralidade e à vida.

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