SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A 8ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) determinou que uma madrasta deve pagar aluguel aos enteados para continuar morando em imóvel da família.
De acordo com o processo, a madrasta manteve união estável com o pai dos três herdeiros e passou a viver no apartamento até a morte do companheiro. O imóvel não era de propriedade exclusiva dele, pois metade dele havia sido partilhado com os filhos após o falecimento da esposa, que ocorreu antes da união estável com a segunda companheira.
A madrasta recorreu da decisão inicial alegando ter direito real de habitação por ser companheira do falecido há muitos anos, detendo 25% da propriedade. A decisão do TJ-SP definiu que o valor a ser pago por ela corresponderá a 75% do aluguel de mercado e será definido na fase de cumprimento de sentença.
Em seu voto, o relator do recurso Ronnie Herbert Barros Soares destacou que, neste caso, não há incidência do direito real de habitação, uma vez que o falecido não detinha a propriedade exclusiva do imóvel durante a união estável com a segunda companheira.
Soares afirma também os filhos do primeiro casamento não guardam nenhum tipo de solidariedade familiar em relação à madastra. “Não havendo falar em qualquer vínculo de parentalidade ou até mesmo de afinidade. Ou seja, o direito da parte requerente lhe foi assegurado há muito por meio da sucessão de sua genitora”, diz o juiz.
Filippe Mattos, especialista em planejamento patrimonial e sucessões do Briganti Advogados, afirma que se o imóvel for de propriedade exclusiva do falecido, o companheiro sobrevivente terá direito real de habitação e não será devido aluguel aos enteados.
“No entanto, se os enteados já detinham uma fração do imóvel antes do falecimento, o companheiro não terá esse direito legal, e, caso permaneça no imóvel, poderá ser demandado a pagar aluguel proporcional à parte pertencente aos enteados”, afirma.
EM QUE SITUAÇÕES O COMPANHEIRO TEM DIREITO REAL DE HABITAÇÃO?
Segundo Filippe Mattos, o artigo 1.831 do Código Civil prevê que o direito real de habitação é conferido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente quando o imóvel residencial da família é o único bem dessa natureza que faz parte do inventário.
Mattos diz que esse direito é garantido independentemente do regime de bens, da existência ou não de meação (metade do patrimônio comum do casal) e do valor do imóvel. No entanto, se houver copropriedade anterior com terceiros, como no caso julgado pelo TJ-SP, o direito não se aplica, conforme entendimento consolidado do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
COMO FUNCIONA A DIVISÃO DE BENS QUANDO HÁ FILHOS DE RELACIONAMENTOS DIFERENTES?
O advogado explica que todos os filhos do falecido, independentemente da origem (de uniões diferentes), são herdeiros necessários em igualdade de condições. A divisão é feita, assim, por pessoa.
Mattos afirma ainda que o cônjuge também pode concorrer como herdeiro nos bens particulares do falecido, dependendo do regime de bens.
SE O IMÓVEL ESTIVESSE NO NOME DO FALECIDO, O DESFECHO SERIA DIFERENTE?
Sim. Se o imóvel fosse de propriedade exclusiva do falecido e fosse o único residencial a inventariar, o companheiro teria direito real de habitação. O especialista diz que é importante destacar, contudo, que esse direito garante apenas o uso vitalício e não transfere a propriedade ao sobrevivente, que permanece destinada aos herdeiros após a extinção do direito.
QUE CUIDADOS CASAIS EM UNIÃO ESTÁVEL DEVEM TOMAR PARA EVITAR DISPUTAS PATRIMONIAIS?
O especialista diz que é recomendável formalizar a união estável por meio de escritura pública, fixando a data de início da convivência e escolhendo o regime de bens mais adequado ao casal.
“Além disso, também é possível realizar testamento para indicar bens que se deseja destinar ao outro companheiro ou mesmo realizar doações com reserva de usufruto e, em alguns casos, estruturar um planejamento sucessório mais amplo por meio de holdings familiares ou outros arranjos societários”, diz Mattos.
COMO ASSEGURAR MORADIA AO COMPANHEIRO SEM PREJUDICAR OS HERDEIROS?
Segundo Mattos, o usufruto vitalício do imóvel em favor do companheiro garante posse e uso, preservando a propriedade dos herdeiros. Mas há também a possibilidade de instituir o direito de habitação em testamento, que assegura ao sobrevivente o direito de residir no imóvel.
Ele destaca que essas medidas só podem ser instituídas sobre a parte disponível (porção da herança em que a pessoa pode dispor livremente por meio de testamento) ou sobre bens de propriedade exclusiva do companheiro.