O movimento indígena do Equador iniciou uma “greve nacional” por tempo indeterminado nesta segunda-feira (22) contra diversas medidas do presidente Daniel Noboa, principalmente contra o decreto que elimina subsídios ao diesel, o que pode impactar o custo de vida da população.
O preço do diesel subiu, da noite para o dia, de US$ 1,80 para US$ 2,80 o barril. A mobilização fechou algumas vias de províncias da região Norte do país e escalou a crise política e institucional equatoriana com o presidente em conflito aberto contra a Corte Constitucional (CC).
O Palácio Presidencial temporário na província de Cotopaxi amanheceu cercado por forças de segurança, as organizações indígenas acusam o governo de repressão e Noboa ameaça denunciar manifestantes por “terrorismo” em caso de fechamento de vias.
O presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), Marlon Richard Vargas Santi, convocou todo o país para se unir aos protestos.
“Não somos criminosos nem terroristas; somos um povo digno que exige respeito à vida, aos direitos e aos territórios. A resposta do governo não pode ser repressão ou perseguição, mas sim ouvir as demandas legítimas do povo”, afirmou.
A crise política e institucional no Equador vem se agravando após decisões do Tribunal Constitucional do país que derrubaram medidas do Executivo, entre elas, alguns decretos de Estado de exceção que suspendem liberdades individuais em províncias afetadas por ondas de violência envolvendo o narcotráfico.
Em resposta a decisões da Corte que limitaram seus poderes, Noboa editou decreto, na última sexta-feira (19), convocando uma assembleia constituinte com objetivo de escrever uma nova Carta Magna do país. A Corte informou que irá analisar o pedido de nova Constituinte.
Ao defender a nova Constituinte, o presidente equatoriano justificou que o país foi “sequestrado por instituições que esqueceram a quem devem servir: a vocês. Não podemos continuar presos ao passado. O Equador merece libertar-se de quem os freia.”
Em nota, a Corte equatoriana rebateu as acusações do presidente e lamentou uma ameaça de bomba no interior do tribunal na semana passada.
“Respeitar a Constituição não significa bloqueio entre instituições ou confronto político, tão pouco se busca limitar a opinião pública sobre uma possível emenda à Constituição.”
Crise institucional
A Corte equatoriana, que equivale ao Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil, virou alvo do presidente equatoriano Noboa, que liderou duas manifestações nas últimas semanas contra as decisões da CC.
Um dos focos do conflito foi em torno da negativa, pela Corte Constitucional, de parte das perguntas elaboradas pelo presidente para a consulta popular que pretende fazer. Para o Tribunal, parte das perguntas induzia o voto ou não tinha informações suficientes para o eleitor.
As perguntas iam desde a liberação de cassinos em hotéis cinco estrelas até o pagamento de salário por hora trabalhada para o setor do turismo, limitação dos poderes da Corte Constitucional e eliminação do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social, que nomeia as autoridades dos órgãos de controle.
Apesar de vetar alguns questionamentos, a Corte autorizou duas perguntas, uma que busca de eliminar a proibição de instalar bases militares estrangeiras no país, o que pode abrir possibilidade para instalar bases dos Estados Unidos (EUA) no Equador, e o fim do financiamento público para partidos políticos. O referendo foi convocado para o dia 16 de novembro.
A Constituição do Equador proíbe instalação de bases militares no país, o que levou os EUA a fecharem uma base que mantinham na cidade costeira de Manta, em 2009.
O professor universitário Fernando Casado Gutiérrez avalia que Noboa tenta aumentar a influência sobre instituições que hoje não controla completamente, como o Corte Corte Consitucional e o Conselho de Participação Cidadã.
“Novoa os tornou alvos de suas políticas e os transformou em seu novo inimigo. Agora, ele claramente visa desmantelar o Tribunal Constitucional. É algo que está muito na moda, esse desmantelamento da institucionalidade e dos freios e contrapesos dos diferentes poderes do Estado por poderes executivos hiperpoderosos”, comentou o professor.
Greve indígena
Em meio ao impasse, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) convocou uma paralisação por tempo indeterminado. A Conaie já protagonizou grandes mobilizações no Equador que contribuíram para inviabilizar a governabilidade de outros presidentes do país.
A organização exige também a redução de imposto, revogação de licenças de mineração em alguns territórios, fim da repressão contra lideranças populares e mais recursos para saúde e educação.
O movimento indígena critica ainda o “autoritarismo e a concentração de poder de Noboa”, pede o fim do modelo econômico baseado no extrativismo; condena as medidas “neoliberais” do Executivo; e rechaça a consulta popular e a constituinte convocado pelo presidente de ultradireita do país.
O professor Fernando Casado Gutiérrez destacou que o fim do subsídio ao diesel afeta a comunidade indígena, que já vivem uma situação econômica precária.
“O movimento indígena tem estado em uma espécie de quase mobilização nos últimos meses, com críticas a tentativa do governo de privatizar o campo de petróleo de Sancha, o mais rentável do país”, disse.
Gutiérrez destacou ainda que a mineração em áreas ambientais sensíveis tem contaminado rios usados na agricultura de subsistência de povos indígenas.
“Houve uma mobilização muito importante na semana passada, da qual também participou o movimento indígena em Quimsacocha, em defesa da água”, completou.