Um ex-operador de Tor e veterano de combate, responsável por proteger a privacidade de jornalistas e ativistas, enfrenta um processo violento na justiça dos Estados Unidos. O caso se iniciou após, Conrad Rockenhaus se recusar a ajudar o FBI a decifrar o tráfego de seus nós de saída. No entanto, segundo sua esposa, Adrienne Rockenhaus, o veterano foi forçado a confessar um crime contra a CFAA, lei norte-americana equiparável à Lei Geral de Proteção de Dados.
O caso Rockenhaus já dura mais de 10 anos, com o próximo julgamento agendado para 30 de setembro. É uma história que escancara os abusos da polícia e justiça norte-americana, que frequentemente abusa da força física e viola a privacidade para beneficiar os casos.
O problema é que os acontecimentos são narrados pela esposa de Rockenhaus, que tem uma visão parcial e enviesada sobre os fatos. Além disso, a narração deixa a linha do tempo confusa. O TecMundo apurou todas as informações veiculadas e se baseou em documentos judiciais e na versão de Adrienne Rockenhaus para produzir a reportagem.
Invasão à empresa de turismo inicia o caso
Recapitulando. Em 2019, Conrad Rockenhaus foi julgado nos Estados Unidos, sendo acusado de atacar os sistemas de uma empresa de viagens e lazer após sua demissão – ocorrida em novembro de 2014. Segundo a acusação, ele criou um backdoor para acessar ilegalmente os servidores, derrubar a infraestrutura da companhia e, dias depois, chegou a entrar fisicamente no centro de recuperação da empresa, em Plano (Texas), onde desconectou os servidores e tentou encobrir a ação.
Em fevereiro de 2014, Rockenhaus foi contratado como gerente de serviços de desenvolvimento, e foi demitido em 10 de novembro do mesmo ano. Um dia após a demissão, a acusação afirma que Conrad invadiu o sistema da empresa por meio de um backdoor que ele havia criado antes de ter o contrato interrompido.
Por meio do backdoor, o ex-funcionário conseguiu acessar e desligar uma Unidade Lógica que derrubou um dos servidores da empresa, afetando todos os outros. Sem saber que Rockenhaus estava por trás do ataque, a empresa o recontratou para restaurar os sistemas.
Logo que o acusado voltou a trabalhar, a empresa começou a suspeitar da sua participação no ataque, e ele foi novamente desligado.
No dia 21 de novembro, Conrad conseguiu acesso ao centro de recuperação de desastres da empresa, em Plano (Texas, EUA), e desconectou fisicamente os servidores da empresa, danificando a infraestrutura da companhia e tentou acobertar os atos recolocando a tampa no equipamento.
A empresa afirma que ficou fora do ar por mais de 30 horas acumuladas entre 10 e 24 de novembro de 2014, o que rendeu um prejuízo de mais de US$ 240 mil em perdas de receita e mais US$ 320 mil na recuperação dos sistemas físicos e online.
Rockenhaus então foi indiciado por intencionalmente causar danos a computadores protegidos, cuja pena máxima pode chegar a até 10 anos de prisão e multa. Em 2019, ele foi condenado a 40 meses de custódia e 3 anos de liberdade, com uma multa de mais de US$ 560 mil.

Conrad ficou em liberdade provisória antes do julgamento em Waco, em agosto de 2019 – pouco antes do caso prescrever. Uma das condições de sua liberdade era participar do Programa de Restrição e Monitoramento de Computadores. Assim, todas as atividades dos aparelhos eletrônicos de Rockenhaus, incluindo computadores e celulares, eram registradas e enviadas em relatórios para o governo.
Pesquisas estranhas e tentativa de burlar monitoramento
Acontece que, horas depois de ter os softwares de monitoramento instalados em seus aparelhos, Conrad começou a fazer pesquisas estranhas. O primeiro registro apontado pela acusação, é uma pesquisa sobre “North American Man/Boy Love Association” – uma organização estadunidense que faz parte do ativismo pedófilo, que defende a aceitação social da pedofilia – às 2:10 da manhã.
Pouco depois dessa pesquisa, Rockenhaus baixou um SPICE, um protocolo de comunicação para acesso remoto a ambientes virtuais usado para otimizar a renderização e a experiência gráfica em ambientes virtualizados. O programa já havia sido pré-aprovado pela justiça — para que Rockenhaus desenvolvesse seu projeto de Ph.D. — mas foi usado para acusar Conrad de tentar burlar o software de monitoramento do governo.
Além disso, o FBI afirma que Conrad tentou instalar o The Onion Router, um software livre de código aberto que proporciona navegação anônima e segura na internet, amplamente usado por jornalistas e ativistas. O problema é que a acusação apresenta o TOR como um atalho para a dark web, o que não é necessariamente verdade. A acusação de crimes cibernéticos foi impulsionada, segundo Adrienne, pelo testemunho fraudulento de uma das agentes de liberdade condicional do Texas, Tiffany Routh.
Outra problemática é que Rockenhaus era conhecido pela atuação nos nós de saída do TOR, retransmissores de informações que removem a última camada de criptografia para que seja possível acessar sites por meio do programa.
Conhecendo as habilidades de Conrad com o software, o FBI pediu sua ajuda para descriptografar nós de saída usados por jornalistas e ativistas.
Ao negar, repetidamente, os apelos dos agentes federais – de acordo com o depoimento de Adrienne Rockenhaus, esposa do acusado – os oficiais o prenderam a força, sem mandado, e testemunharam no tribunal dizendo que o profissional havia utilizado seu driver gráfico para acessar a dark web. O veterano ficou preso por três anos antes mesmo do julgamento.
Liberdade condicional de Rockenhaus vai até outubro de 2025
Em 2022, Conrad foi liberado da prisão e ficou em liberdade condicional com restrições, que novamente, incluíam a instalação de um software de monitoramento que registraria todas as atividades de seus aparelhos e mandava relatórios para os responsáveis pela supervisão de sua condicional.
O software atuaria como uma medida de segurança para que Conrad fosse impossibilitado de acessar a dark web, instalar softwares proibidos ou invadir sistemas enquanto aguardava pelo julgamento. A medida é válida por três anos, sendo finalizada em outubro deste ano.
Agravantes do caso incluem o estado de saúde de Conrad, que além de considerado inválido pelo governo, tem um histórico médico de problemas com epilepsia. A doença neurológica crônica é caracterizada por descargas elétricas anormais no cérebro, o que pode causar confusão mental e convulsões. Durante o tempo preso, Rockenhaus teve a assistência médica negada e não teve acesso à remédios que ajudassem no tratamento da doença.
Adrienne, que registra todo o caso em um site, também mostrou a violência policial que eles enfrentaram. Imagens de segurança da casa dos Rockenhaus mostram que os oficiais usaram de força bruta e ameaçaram o casal a mão armada, o que piorou o quadro de saúde de Conrad, que convulsionou no último julgamento em 5 de setembro. A audiência foi remarcada para o dia 30 deste mês.
Além disso, a esposa do acusado afirma que, ao serem levados para a delegacia em carros diferentes, os policiais mostraram para Conrad mensagens de texto detalhando como abusariam de Adrienne.

Entre as ameaças e o uso de violência, os policiais jogaram Conrad no chão para prendê-lo – sem ao menos apresentar um mandado de busca, ameaçaram atirar no cachorro do casal e usaram técnicas militares para cercá-los dentro de casa.
A segurança cibernética e física de Rockenhaus foi comprometida pela polícia de diversas maneiras. Entre falsas acusações, testemunhos fraudulentos, uso de força bruta, coerções, e omissões nos exames toxicológicos de Conrad (que usa remédios à base de canabinoides sintéticos, o mesmo ativo da maconha), os oficiais fizeram o possível para mantê-lo na cadeia.
É claro que Conrad cometeu crimes – quando invadiu a infraestrutura da empresa de turismo – mas, é possível observar que o incômodo pela falta de colaboração em possíveis investigações sobre jornalistas e ativistas em navegadores seguros.
A principal pergunta que pode ser levantada sobre o caso de Conrad é: “o que será que ele encontrou ou mexeu no TOR?”, mas talvez, a questão também seja, na verdade, “que tipo de operação do FBI ele atrapalhou” ao negar a colaboração.
No contexto atual, os Estados Unidos têm reforçado seus esforços na atuação frente a ativistas e jornalistas após situações como a de Charlie Kirk, influenciador e ativista republicano que foi morto a tiros na última semana.
Além das ações contra imigrantes que, de acordo com o The New York Times, atingiu níveis recordes de prisões e já deteve mais de 60 mil imigrantes.
O caso de Conrad Rockenhaus está sujeito a atualizações. Aguardamos os documentos oficiais do julgamento de 30 de setembro para trazer mais informações.
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