Estudos indicam que a Terra pode entrar em uma nova fase climática perigosa

Estudos indicam que a Terra pode entrar em uma nova fase climática perigosa

Como no livro Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez, a janela de 20 anos estabelecida pelas Nações Unidas, para cumprimento das metas climáticas do Acordo de Paris, está ficando cada vez mais apertada. Na época, os países signatários do tratado concordaram em manter o aquecimento global a níveis “bem abaixo” de 2 °C (com esforços para limitá-lo a 1,5°) acima dos níveis pré-industriais.

O enredo na vida real, todos já sabemos. O ano passado foi o mais quente já registrado em todos os tempos. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a temperatura média global da superfície foi cerca de 1,6 °C acima das temperaturas médias no final do século 19, antes de os humanos começarem a queimar combustíveis fósseis em larga escala.

Embora, na teoria, isso não seja suficiente para afirmar que o acordo de Paris tenha sido ultrapassado (pois as metas são medidas ao longo de décadas), dois estudos recentes usaram dados climáticos históricos, e concluíram que anos muito quentes no passado são, sim, um sinal de violação de um limite de aquecimento futuro e de longo prazo.

Olhando para a frente: o que os novos estudos dizem sobre mudanças climáticas?

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Estudos afirmam que já comprometemos as metas do Acordo de Paris. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

No modelo atual, nós só saberemos se conseguimos atingir o limite do Acordo de Paris, ou seja, se completamos o período de 20 anos com uma temperatura média de 1,5 °C, no futuro. O que os dois novos estudos de modelagem, ambos publicados na Nature Climate Change, apontam é que já estamos na janela de 20 anos, cruzando potencialmente o ponto médio.

Os dados do Copernicus Climate Change Service e Berkeley mostram que junho de 2024 foi o décimo segundo mês consecutivo em que as temperaturas médias mensais da superfície do mundo atingiram ou ultrapassaram a marca de 1,5 °C. “Se permanecermos nesta situação política atual, o primeiro ano a 1,5 °C sinaliza que já estamos neste período de 20 anos”, afirma Emanuele Bevacqua, do Centro Helmholtz de Pesquisa Ambiental em Leipzig, Alemanha.

Nos novos estudos, os autores utilizam modelos e simulações como o projeto CMIP6, publicado pelo Programa Mundial de Pesquisas Climáticas, para projetar condições climáticas futuras. Esses modelos incorporam dados históricos de temperatura, precipitação e química oceânica. O CMIP6 inclui em seus diferentes cenários de aquecimento, o chamado SSP2-4.5, que reflete as tendências atuais das políticas climáticas.

O estudo canadense sobre uma nova fase climática

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Este estudo combinou dados climáticos dos últimos 10 anos e projeções dos próximos 10. (Fonte: Getty images/Reprodução)

Em um dos novos estudos, o cientista climático Alex Cannon, do Environment and Climate Change Canada, busca responder às seguintes perguntas: “Quando saberemos que o mundo ultrapassou esse limite no longo prazo? Um ano mais quente que 1,5 °C sinaliza que a meta do Acordo de Paris foi ultrapassada?”.

Para isso, ele decidiu trabalhar com dados reais de temperatura dos últimos 10 anos, combinando-os com projeções de modelos para os próximos 10. Logicamente, esse tipo de abordagem depende da confiabilidade dos dados observados, que alimentam o modelo, e de sua capacidade em incorporar corretamente os fatores que influenciarão o clima futuro.

Usando projeções do CMIP6 (iniciais em inglês para Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados), em um cenário sem grandes mudanças no desenvolvimento global (SSP2-4.5), existe uma probabilidade de 76% de que o aquecimento de longo prazo além do limite do Acordo de Paris ocorra “antes de vermos 12 meses acima desse limite”, afirma Cannon.

O artigo europeu sobre anos quentes isolados na Terra

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Um ano isolado de mudança climática extrema pode determinar uma tendência? (Fonte: Getty Images/Reprodução)

No segundo estudo, liderado por Bevacqua, a equipe considerou que “Abordar a questão de quando entraremos em um período de 20 anos com aquecimento médio nesse nível não é, portanto, apenas um exercício de rastreamento do registro de temperatura global, mas também informa sobre o início de um período de 20 anos em que os riscos documentados na literatura científica em um nível de aquecimento de 1,5 °C devem surgir”.

Utilizando também observações e simulações de modelos climáticos do CMIP6, porém com foco em tendências de aquecimento durante o período entre 1981 e 2014, os autores exploraram “a questão de se um único ano acima de 1,5 °C pode ser visto como um alerta precoce de que o mundo está atingindo o nível de aquecimento de longo prazo de 1,5 °C”, segundo o estudo.

Com base em dados observados, simulações de modelos climáticos e um experimento idealizado, as análises confirmaram que, “a menos que cortes ambiciosos de emissões sejam implementados”, a probabilidade de a Terra já ter entrado na janela de 20 anos, que atinge o nível de aquecimento de 1,5 °C, era maior que 99%.

Andando devagar, e na contramão da normalização climática

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As emissões anuais de CO2 subiram cerca de 50% desde 1990. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

As descobertas mostram que a ocorrência, ou não, da tragédia dependerá do que faremos. No entanto, há décadas, cientistas alertam que a queima de combustíveis fósseis libera gases, como o dióxido de carbono, que aquecem o planeta. E o que fizemos? Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, as emissões anuais de CO2, desde 1990, subiram cerca de 50%. Isso, com certeza, não ajuda a enfrentar a crise climática.

Na esperança de deter o aquecimento global, a ciência aponta que as emissões têm que atingir o zero líquido, ou seja, equilibrar a quantidade de gases emitidos com a quantidade removida da atmosfera. Como parte do aquecimento, principalmente nos oceanos, já é irreversível, isso significa que, para retornarmos aos limites de 1,5 °C e abaixo, teremos que alcançar “emissões líquidas negativas”.

Portanto, evitar que a tragédia ocorra dependerá exclusivamente das decisões humanas, a partir de agora. Evitar consequências catastróficas dependerá da adoção de medidas drásticas, como a transição para energias limpas e a remoção de gases de efeito estufa da atmosfera. Porém, o que se espera agora é que a retirada dos EUA do Acordo de Paris, anunciada pelo presidente Donald Trump, não atrapalhe o progresso feito até agora pelo resto do mundo.

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