Em 26 de março de 1827, morria em Viena, na Áustria, o compositor alemão Ludwig van Beethoven, que, pelos critérios de inovação, impacto e universalidade, pode ser considerado o maior nome da música erudita de todos os tempos. Confinado ao leito desde o Natal anterior, ele tinha 56 anos e sofria de uma doença hepática avançada, provavelmente cirrose, que deixava sua pele amarelada e causava grande sofrimento físico.
No dia seguinte, dois de seus colaboradores encontraram diversos documentos guardados em um compartimento secreto da sua escrivaninha, entre os quais o que ficou conhecido como o Testamento de Heiligenstadt. Era uma carta escrita pelo compositor em 6 de outubro de 1802, e endereçadas aos seus irmãos, Carl e Johann. No texto, ele pedia que seu médico descrevesse ao mundo sua perda auditiva progressiva, depois que ele morresse.
O médico Johann Adam Schmidt havia morrido quase vinte anos ants, e nunca soube a causa da surdez do compositor. Quase dois séculos depois, uma equipe de pesquisadores decidiu realizar o desejo de Beethoven, e divulgou na revista Current Biology, a análise do seu DNA, extraído e reconstruído a partir de mechas do seu cabelo.
Por que Beethoven queria que seus registros médicos fossem divulgados?

Embora saibamos hoje que o genial músico não conseguia ouvir sua própria música desde os 40 anos, durante grande parte de sua vida, Beethoven tentou ocultar sua deficiência auditiva do público e de seus colegas músicos. Aterrorizava-o a ideia de que a revelação da surdez prejudicasse sua carreira e o respeito que conquistara como compositor e pianista
Mas, à medida que sua diversidade funcional piorava, foi impossível escondê-la completamente, e, por volta de 1819, sua condição já era de conhecimento público, pelo menos nos círculos musicais da capital austríaca. Ainda assim, o compositor insistia que, após a sua morte, houvesse uma explicação médica detalhada, para que o mundo entendesse que sua surdez não foi resultado de negligência, mas de uma doença específica.
Feito por um médico, acreditava o compositor, esse esclarecimento permitiria que as pessoas compreendessem que seu comportamento reservado e suas dificuldades pessoais não eram fruto de descaso ou arrogância. O estudo foi uma tentativa de utilizar “uma análise genômica de Beethoven para esclarecer para elucidar potenciais causas genéticas e infecciosas subjacentes de suas doenças” dizem os autores.
Quais foram as descobertas da análise de DNA de Beethoven?

(Fonte: Begg et al., Current Biology , 2023)
Para o coautor Johannes Krause, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva na Alemanha, “Nosso principal objetivo era lançar luz sobre os problemas de saúde de Beethoven, que incluem perda auditiva progressiva, começando em seus 20 e poucos anos e, eventualmente, levando-o a ser funcionalmente surdo em 1818”, explicou o bioquímico em um comunicado à imprensa de 2023.
O DNA foi extraído de mechas de cabelo de fontes independentes atribuídas a Beethoven, das quais apenas cinco foram confirmadas como vindas como “quase certamente autênticas”. Infelizmente, os autores não conseguiram encontrar no genoma nem uma explicação para o distúrbio auditivo do compositor, nem para os seus problemas gastrointestinais. No entanto, confirmaram que ele era geneticamente predisposto a doenças do fígado.
Isso foi comprovado em estudos posteriores: as amostras de Beethoven sugeriram uma infecção por hepatite B ocorrida durante os meses que antecederam sua morte. “Juntamente com a predisposição genética e seu consumo de álcool amplamente aceito, essas explicações plausíveis presentes para a grave doença hepática de Beethoven, que culminou em sua morte”, conclui o estudo.
Uma surpresa na análise genômica de Beethoven

Quando os pesquisadores começaram a se decepcionar por ter encontrado mais perguntas do que respostas sobre a vida e a morte do famoso compositor clássico, uma surpresa “escondida” nos seus genes veio à tona. Comparações do cromossomo Y (o marcador paterno) de Beethoven com os de seus parentes modernos mostraram uma incompatibilidade.
A diferença genética sugere que, em algum momento entre 1572 e 1770, ocorreu um “evento de paternidade extrapar” na linha paterna direta da família. Isso quer dizer que um ancestral masculino de Beethoven teve um filho fora do casamento, o que causou uma quebra na continuidade genética da linhagem paterna.
A ocorrência se deu, segundo a pesquisa, entre o nascimento do ancestral Hendrik van Beethoven, em Kampenhout na Bélgica, sete gerações antes da concepção de Ludwig van Beethoven, ocorrida na cidade de Bonn, na Alemanha, em 1770. Além de significativa do ponto de vista histórico e biográfico, a descoberta pode ajudar a entender melhor algumas características ou condições de saúde do autor de “Ode à Alegria”.
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