Em definição, traumas são experiências marcantes que podem gerar vivências aversivas capazes de provocar impacto na saúde mental e emocional. Em nosso cotidiano, porém, não é incomum a associação entre a palavra trauma e uma pancada ou acidente que impacte a saúde física de um indivíduo. Mas seriam essas experiências transmissíveis para gerações posteriores?
Os estudos de epigenética demonstram que eventos significativos podem gerar alterações na forma como nosso DNA se comporta através da ativação ou inibição de alguns genes, e em teoria, acontecimentos traumáticos seriam um estímulo poderoso para que a influência do ambiente se evidencie de maneira mais potente.
A fim de elucidar se traumas possuem a capacidade de serem transmitidos entre gerações posteriores àquela que sofreu o agravo, estudos em modelo animal e humano têm sido desenvolvidos. Veja o que se sabe até agora.

Os traumas podem possuir fatores genéticos?
A origem de um trauma pode ser diversa, como dissemos no início, a definição desse conceito se refere a um evento que desencadeia uma experiência aversiva que pode gerar impacto na saúde mental e emocional de um indivíduo.
Contudo, ainda que estejam associados a acontecimentos extremos como experiências de quase morte e atos de violência, os traumas também podem ser desencadeados por eventos mais simples, como fobia de insetos, que pode ter sido originada por um contato desagradável, ou ainda, por um fator social.

Os traumas podem ser passados de geração em geração por crenças arraigadas em uma cultura. Por exemplo, na época da quaresma, ainda que não vejamos lobisomens correndo selvagens pelas ruas, há uma crença forte, e até alguns avistamentos, que incentivam a manutenção dos atos de penitência e conversão, preconizados pela cultura católica, real sentido da abstenção de certos alimentos.
Fora das lendas populares, um genitor, mãe ou pai, podem transmitir seus traumas e medos para os filhos por meio de comportamentos ansiosos. Quem nunca teve uma mãe gritando que morreríamos se chegássemos perto de beirais, lugares ou de coisas consideradas perigosas? A intensidade e a repetição do comportamento de alerta podem gerar gatilhos para o desenvolvimento de traumas.
Com base nisso, a hipótese de que o estresse causado por tais situações podem deixar algumas marcas no nosso DNA torna-se mais razoável, considerando que o ambiente e seus componentes podem contribuir para inibição ou ativação dos genes.

Experimentos com camundongos demonstraram que mães grávidas expostas a estímulos aversivos transmitiram seus “medos” de certos elementos para as crias, mesmo quando essas eram criadas apartadas.
O resultado sugere que os traumas podem ter um fundo genético, visto que as genitoras não estavam presentes para alertar a prole sobre os perigos de encostar nos dispositivos efetores de choque. Mas não só as mães.
Esse estudo demonstrou que os pais dos camundongos também podem contribuir para a hereditariedade dos traumas. Os espermatozoides dos genitores apresentaram metilação do DNA em áreas correlacionadas, gerando uma modificação em como os genes podem ou não ser ativados.

Em uma pesquisa recente, publicada no periódico Scientific Reports, os pesquisadores investigaram a hereditariedade dos “marcadores genéticos de trauma” em humanos, com refugiados sírios.
As amostras de DNA foram obtidas por meio de esfregaço da mucosa bucal de avós, mães e filhos. O estudo contou com 131 participantes, divididos em grupos que presenciaram os horrores da guerra, aqueles já nascidos longe dos ambientes de trauma e pessoas que não possuem qualquer ligação com zonas de conflito.
Nas mulheres que presenciaram e sofreram violência, foram encontrados 21 marcadores epigenéticos em múltiplas regiões do DNA. Em seus herdeiros genéticos, que não passaram pelos mesmos ambientes, foram localizados 14 marcadores genéticos similares.
O grupo de pesquisa acredita que essa alteração ainda pode ser encontrada em uma terceira geração, com menor índice de prejuízo. A função dos genes com presença de metilação ainda não possuem uma função completamente descrita.

É importante lembrar que os fatores epigenéticos não possuem a capacidade de modificar o código genético, apenas de alterar como ele se expressa. Seria como se tivéssemos uma carta onde em algumas partes há uma tarja preta, representada pelos grupos metis adicionados pelos fatores da epigenética, recobrindo a informação.
Conforme as cópias deste documento são feitas, essas tarjas podem ir enfraquecendo e as palavras abaixo delas voltar a ser visíveis. Isso quer dizer que a informação sempre esteve e estará lá, apenas mais ou menos visíveis.
No caso da genética do trauma, as mudanças epigenéticas ocasionadas pela metilação do DNA podem contribuir para que essas marcas possam ser passadas entre as gerações, contudo, não se transmite o trauma em si, apenas uma susceptibilidade dos genes serem mais sensíveis a determinados estímulos.

Porém, cuidado, ainda que haja evidências que demonstrem que o estresse sofrido por nossos antepassados gerem repercussões na forma como nossos genes se comportam, há ainda um longo caminho até podemos dizer com certeza quais são os agravos possíveis.
Além disso, a pesquisa com humanos representa um desafio maior, que necessita de estudos mais extensos e com uma amostra mais significativa de participantes, incluindo a contribuição dos pais nesse processo de formação de um novo ser, não apenas das mães.
Tabagismo, doenças prévias, inanição e outros fatores epigenéticos também precisam ser considerados antes que seja estabelecido que esses marcadores genéticos possam ser definitivamente ligados somente à vivência de traumas, há também o fator social que não pode ser indissociado da existência humana.
Há ainda um longo caminho a percorrer no campo da pesquisa, incluindo compreender como esse DNA metilado pode contribuir para a pré-disposição do envelhecimento precoce, visto que a metilação do DNA tem sido associada à idade biológica dos organismos.
Mas enquanto não temos maiores esclarecimentos, você pode se interessar em conhecer outras mutações do DNA que contribuíram para a evolução humana. Nos conte em nossas redes sociais o que você pensa sobre o assunto e quais outros estudos interessantes poderiam ser investigados. Continue com o TecMundo e até logo!